Saúde mental durante o período de isolamento social, como fica o dia a dia em Instituições de Acolhimento?
Casos de violência já existentes se agravam.
O ano de 2020 com certeza ficará marcado para todos. Vivemos um tempo de muitas incertezas, principalmente acerca do atual cenário em que nos encontramos. Por mais que alguns setores tenham parado devido a pandemia de COVID-19, o trabalho realizado pelas instituições de acolhimento continua, porém, com novas reformulações, protocolos e todo cuidado necessário, seguindo todas as orientações do ministério da saúde.
Sendo assim é importante analisarmos que por mais que a pandemia parou muitos setores e que o isolamento até o atual momento segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) é a maneira mais segura para evitar a proliferação do vírus, os acontecimentos acerca de violência doméstica também aumentaram.
Devido ao maior tempo de convivência familiar, os conflitos que eram corriqueiros, acabam se tornando maiores. Além do mais, a atual pandemia escancarou a desigualdade social que assola o Brasil.
Violência é um problema de saúde pública.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) chama a atenção para a violência como um problema de saúde pública. Em situações de pandemia, tais como da COVID-19, os indicadores de países como China, Espanha e Brasil evidenciam que os casos de violência já existentes se agravam e, ao mesmo tempo, emergem novos casos. (Melo et al, 2020)
A ONU Brasil (2020) também traz que devido ao isolamento em tempos de pandemia, crianças e adolescentes estão sob o risco maior de sofrerem violências físicas, sexuais e psicológicas durante esse período.
Segundo Dubravka Simonovic (2020), relatora da ONU Brasil, é provável que a violência doméstica generalizada aumente durante esse período de pandemia, segundo os relatórios iniciais e de denúncias telefônicas a polícia. Segundo a relatora para muitas crianças e mulheres, o lar pode vir a ser um lugar de medo e abuso, e a situação tende a piorar devido a quarentena imposta pela pandemia.
No Paraná o jornal Gazeta do povo (2020) traz que em março desde o início do isolamento, houve um aumento de 15% no registro de ocorrências de violência doméstica atendidos pela Policia Militar só no primeiro fim de semana de isolamento.
Melo (2020) ressalta que outros grupos estão vulneráveis durante a pandemia de COVID-19, mulheres, crianças e idosos estão sujeitos a riscos maiores dentro de casa em função da violência estrutural que sem tem no Brasil e que escancara a desigualdade social que o país enfrenta.
Isolamento social intensifica violências
Através desses dados, podemos verificar que as violências se intensificaram devido ao isolamento, o que nos mostra que por mais que uma pandemia tenha parado o mundo, a convivência de crianças em situação de violência e negligência, continuam.
Segundo a lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990)
Segundo o ECA, que dispõe sobre a proteção integral da criança e adolescente, é dever do estado e das redes como família, sociedade e comunidade garantir a proteção e todos os direitos básicos da criança e do adolescente.
As instituições de acolhimento têm como função garantir os direitos básicos da criança e do adolescente, além de ser uma medida protetiva para a criança, frente as negligências que passou.
Dentro do atual cenário de pandemia, as instituições de acolhimento continuam recebendo pedidos para receber crianças em situações de risco. Os possíveis desafios que as instituições enfrentam no atual momento é o recebimento de novos acolhidos que podem estar contaminados pelo COVID-19, o que pode trazer perigo para as outras crianças já acolhidas, mas como também para as educadoras sociais que residem nas casas.
As instituições tem se organizado para o recebimento dessas novas crianças, criando espaços para o recebimento e com todos os cuidados devidos para evitar a proliferação do vírus, e que tenha todos os equipamentos necessários para o período de isolamento.
Outro desafio dentro das instituições de acolhimento, é o período de isolamento, que iniciou em março e já dura 6 meses. Se torna um desafio principalmente para as crianças, como também para as cuidadores residentes que estão isoladas nesse período também.
Um dos principais sintomas que tem aparecido nas crianças que estão em acolhimento é a irritabilidade, o tédio, intolerância e angústia, sentimentos que acabam vindo à tona no dia a dia. E com isso a equipe técnica faz as mediações com as crianças, faz a escuta especializada e o acolhimento dos sentimentos que aparecem, fazendo as orientações com as cuidadores residentes, e também fazendo os encaminhamentos necessários conforme as demandas das crianças.
Zandifar e Badrfam apud Schmidt (2020) traz que as incertezas relacionadas a como controlar a doença, a gravidade da pandemia e a incerteza do fim do isolamento potencializa os fatores de risco sobre a saúde mental.
Outro desafio das instituições de acolhimento é a questão da saúde mental. Conforme os autores citados acima, esse período de incertezas sobre o fim do isolamento e a gravidade da pandemia, acaba trazendo efeitos na saúde mental das pessoas. Dentro das instituições de acolhimento não é diferente, pois esse período de isolamento também trouxe seus desafios para as crianças e para os colaboradores que residem nas instituições.
O autor abaixo ilustra bem os desafios impostos pela pandemia, que é:
O confinamento imposto pela Covid-19, que já foi descrito como o “maior experimento psicológico do mundo” (VAN HOOF, 2020), vem colocando à prova a capacidade humana de extrair sentido do sofrimento e desafiando indivíduos e sociedade, no Brasil e em todo o planeta, a promoverem formas de coesão que amorteçam o impacto de experiências-limite na vida mental. (Lima, 2020)
Como bem sabemos, a atual pandemia trouxe muitos desafios para todo o mundo, no Brasil já contamos com 134.106 mortes pelo novo vírus segundo o portal sobre corona vírus no Brasil, números alarmantes, o que acaba influenciando na saúde mental da população.
As instituições tem se reinventado das melhores maneiras possíveis para tentar diminuir o impacto que o isolamento tem gerado nos acolhidos e nas residentes da instituição.
Um dos programas que Acridas tem feito com parceiros, é oferecer atendimento psicológico para as residentes das casas lares. Como bem sabemos, o período de isolamento tem gerado uma sobrecarga psíquica nas residentes, não só delas, mas como também das crianças que estão acolhidas na instituição.
Além de oferecer atendimento psicológico, tem ofertado capacitações para as residentes nesse período. A equipe técnica tem feito as mediações com as crianças acolhidas, fazendo atividades, brincadeiras para tentar diminuir os impactos do isolamento nesse período.
São tempos que nos desafiam a nos adaptar, a nos reinventar em todos os setores, seja pessoal ou profissional. Mas uma coisa nós podemos afirmar, continuamos trabalhando para garantir os direitos para as crianças, assegurando a proteção integral e criando condições para que voltem a conviver em família e construir novas histórias.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e Adolescente. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil]. Brasília, DF.
COELHO, Carlos; Casos de Violência doméstica aumentam no período de “isolamento social” no Paraná. Gazeta do Povo, Curitiba, 23 de março de 2020. Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/04/Sa%c3%bade-Mental-e-Aten%c3%a7%c3%a3o-Psicossocial-na-Pandemia-Covid-19-viol%c3%aancia-dom%c3%a9stica-e-familiar-na-Covid-19.pdf > Acesso em: 15 de set de 2020
CORONAVIRÚS BRASIL. Painel Coronavirús. Coronavírus Brasil, c2020. Página Inicial. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/ Acesso em: 17 de set. de 2020
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Ministério da Saúde. Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19 – Violência Doméstica e Familiar na COVID-19. 27 de abril de 2020. Acesso em: 15 de set de 2020. Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/04/Sa%c3%bade-Mental-e-Aten%c3%a7%c3%a3o-Psicossocial-na-Pandemia-Covid-19-viol%c3%aancia-dom%c3%a9stica-e-familiar-na-Covid-19.pdf
LIMA, ROSSANO CABRAL; Distanciamento e isolamento sociais pela Covid-19 no Brasil: impactos na saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online]. v. 30, n. 02 [Acessado 26 Agosto 2020], e300214. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300214>. ISSN 1809-4481. https://doi.org/10.1590/S0103-733120203002
ONU BRASIl, Organização das Nações Unidas; Relatora da ONU: Estados devem combater violência doméstica na quarentena por COVID-19. Brasil 27 de março de 2020. Disponível em: https://nacoesunidas.org/relatora-da-onu-estados-devem-combater-violencia-domestica-na-quarentena-por-covid-19/#:~:text=A%20recomenda%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20da%20relatora,lugar%20de%20medo%20e%20abuso. > Acesso em: 15 de set de 2020
SCHMIDT, Beatriz et al . Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estud. psicol. (Campinas) Campinas, v.37,e200063, 2020 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2020000100501&lng=en&nrm=iso>. access on 09 Sept. 2020. Epub May 18, 2020. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200063.
Por Giovane Rafael – Psicólogo Social na ACRIDAS – CRP 08/30045