O lugar de aconchego
Recentemente em um domingo que nos parecia comum, uma situação com a criança que estamos acolhendo há seis meses, um menino de sete anos, nos chamou atenção. Confesso que a situação nos constrangeu, emocionou e encheu de esperança. Já era fim do dia quando me deitei no sofá da sala para assistir televisão e de repente percebi o pequeno se aproximando, subindo devagarzinho no sofá, talvez um pouco receoso, e aos poucos se apertando ao meu lado no pouco espaço que havia entre meu corpo e o encosto do móvel. Deitado ali o garoto repousou a cabeça em meu peito e pouco depois, adormeceu. Em seis meses aquilo nunca havia acontecido.
Naquele momento, olhando-o aconchegado em mim e dormindo
tranquilamente, eu e minha esposa nos lembramos do quão difícil era para ele ter qualquer contato físico quando chegou em nossa casa, mesmo que um abraço, provavelmente em razão das agressões sofridas com sua família que nunca lhe permitiu sentir-se aconchegado em um lugar de amor e cuidado.
Nós sempre respeitamos esses limites dele e quando menos esperávamos estávamos vendo-o ali com o corpinho apertado contra o meu no pequeno espaço do sofá e a cabeça reclinada sobre o meu peito, embalada pelo movimento da minha respiração. Coloquei a mão sobre a cabeça dele, reafirmando que estava tudo bem, que ele estava seguro e ali tinha um lugar de aconchego. Nas semanas seguintes, vimos ele acordar, ainda muito cedo, sair do quarto dele e ir até o nosso pedir para deitar-se entre nós, onde adormeceu novamente. Em outro dia, trovões deixaram a noite barulhenta e logo percebemos ele sair do seu quarto para mais uma vez ir até o nosso buscar o lugar de aconchego. Não sabemos dizer o que ele sentia ou pensava naqueles momentos, mas sabemos que fosse o que fosse, estávamos podendo oferecer para ele um lugar de aconchego que ele tanto precisava. (Família L.)
Nós seres humanos estamos sempre em busca de um bom lugar para nos aconchegarmos, para descansarmos com tranquilidade com conforto e segurança, seja qual for a realidade vivida. Com as crianças não é diferente, no entanto, as muitas preocupações que ocupam nossas mentes normalmente não ocupam as delas, o que não significam que não se preocupem com algo.
Para os pequenos o lugar do aconchego é tão importante como para nós adultos, mas há nessa preocupação deles uma característica indispensável para esse lugar: a proteção e a segurança que somente um adulto que lhe oferece cuidados pode dar.
Infelizmente nem todas as crianças encontram no seio de sua família esse lugar de aconchego, que em nada tem a ver com recursos materiais – isso é coisa que aprendemos a enxergar depois. A criança muitas vezes não faz ideia dos recursos materiais que faltam ou que sobram em uma casa, mas sabe desde bebê quando encontra o aconchego de quem lhe cuida, é para esse lugar que ela corre quando não está bem, quando tem medo ou quando algo ruim acontece. Deveria ser absolutamente impossível uma criança não encontrar esse lugar do aconchego, mas acontece, infelizmente. E como acontece.
Felizmente, mesmo precisando serem retiradas de suas famílias, muitas crianças têm encontrado o seu lugar de aconchego em outras famílias como essa do relato, que se dispõe a acolhê-las temporariamente oferecendo afeto, cuidado e proteção. Essas famílias, assim como as instituições e profissionais que atuam em favor dos direitos das crianças e dos adolescentes não podem estar sozinhas na batalha de garantir que toda criança e adolescente encontre um lugar de aconchego, que tem tanto significado para eles. Por isso, cabe a todos nós enquanto sociedade somar forças nessa batalha de garantir que toda criança e todo adolescente tenham o seu tão necessário lugar de aconchego.
Você pode fazer parte dessa jornada de amor e transformação fazendo uma doação para que tenhamos recursos para dar às crianças acolhidas acesso a uma história digna e cheia de alegria e novas oportunidades.